Com chegada de ‘millennials’ ao mercado de trabalho, conflito de gerações é desafio

Com chegada de ‘millennials’ ao mercado de trabalho, conflito de gerações é desafio

Pesquisa mostra que geração Y tem expectativa altas mas se frustra logo e precisa ser motivada

Dá-se hoje uma troca de bastão geracional no mercado de trabalho, e os que chegam têm pressa de criar e crescer, como em seus Snapchats, mas são freados por ambientes que evoluem em velocidade pré-Orkut. Querem líderes inspiradores que proporcionem oportunidades em vez de chefes que lhes tolham a criatividade. Desejam que o emprego tenha propósito e não estrague seu bem-estar. Sabem, porém, que se decepcionam na velocidade do WhatsApp e que precisam de ajuda para controlar essa ansiedade.

O perfil dessa galera — pode chamar de millennials ou geração Y, mas eles não estão muito aí para rótulos — emerge em levantamento da Trendsity, encomendado pela Arcos Dorados, rede de franquias de restaurantes McDonald’s. A pesquisa mostra que, para aproveitar o potencial criativo dos jovens, os empregadores precisam oferecer um espaço que ao menos tente estar à altura de suas expectativas. Paralelamente, precisam ensiná-los a tolerar as incontornáveis frustrações do mundo corporativo e tirá-los do isolamento natural de quem enxerga o mundo através de uma tela de 6 polegadas.

O estudo ouviu 1.800 jovens de 18 a 27 anos em entrevistas on-line por toda a América Latina, sendo 500 no Brasil. Para Ilton Teitelbaum, coordenador da pesquisa, jovens profissionais que “não toleram nanossegundos de tédio” e trocam emoções via emoticons precisam ser educados para o aspecto coletivo do trabalho:

— Ele, que sempre controlou seu barquinho, agora está em um navio e precisa ser ensinado a fazer parte da tripulação. A geração que está no comando também deve aprender a conversar na linguagem deles.

Difícil de satisfazer

Os próprios jovens profissionais reconhecem essas vulnerabilidades. De acordo com a pesquisa, 64% consideram sua geração mais exigente e difícil de satisfazer. Sérgio Neves, de 25 anos, se considera um engenheiro de sorte por ter conseguido emprego em ano de crise e formatura. Mas isso não o impede de enxergar que a transição pode, sim, ser frustrante. As tarefas burocráticas que costuma ser atribuídas aos inciantes estão aquém das expectativas infladas ao longo de anos em sala de aula.

— Nossa geração é bombardeada o tempo todo por redes sociais e acha que tudo na vida é um Instagram. Esse é maior sofrimento, já que as primeiras funções são burocráticas, o que é um pouco limitador — explicou. — Mas entendo que faz parte, já que é preciso partir de algum lugar. Só que algumas empresas poderiam dar mais oportunidade para que essa mão de obra exercite a inovação. No caso de processos digital mais eficientes, por exemplo. Muitas companhias resistem a eles simplesmente porque já têm algo que funciona.

Sua sensação é corroborada por seus pares: 65% valorizam a possibilidade de fazer propostas e 68% acreditam que vieram para buscar maneiras diferentes de fazer as coisas. Outro choque comum é com a hierarquia: 56% dos entrevistados acham que os jovens detestam receber ordens sem saber qual é o propósito.

Em seu amadurecimento profissional, o engenheiro também aprendeu que a onipotência que os recém-formados enxergam em si próprios é ilusória. Segundo a pesquisa, 8 em cada 10 millennials confiam em seus próprios talentos e habilidades, enquanto apenas um terço considera que a sociedade compartilha dessa confiança.

— A gente chega achando que sabe tudo e depois vê que não é bem assim. No meu caso, aprendi na base da tranco mesmo, sobretudo na minha experiência profissional três anos atrás. Eu pegava o máximo de coisa para fazer mas nem sempre conseguia entregar. Levei muito bronca, mas foi uma aprendizagem — admitiu.

Dentre os entrevistados, 62% acham que se frustram ou se desmotivam mais rapidamente se não conseguem resultados rápidos no trabalho. Seis em cada 10 se imaginam independentes ou empreendedoras em 10 anos.

— O diferencial dessa geração é a pressa de crescer mais rapidamente, reflexo sobretudo de um acesso acelerado a informação. Além disso, eles têm no convívio social uma fragilidade. Isso tudo gera uma demanda por mentoria desse jovens. Complementar esse gap é um dos focos do nosso programa de trainees por exemplo — afirmou Marcelo carvalho, diretor de RH da firma de softwares SAP Brasil, uma das mais desejadas pelos novos profissionais segundo rankings especializados.

A Robert Half, de recrutamento especializado, tem notado rotatividade maior dos jovens nos seus próprios currículos. Mas existe um descompasso demográfico entre uma necessidade constante de evolução e uma duração cada vez maior das carreiras, observou o diretor geral Fernando Mantovani.

— Quando falamos de carreira, estamos falando de algo que durará de 40 a 50 anos, sobretudo para uma geração cuja expectativa de vida está se aproximando dos 85, 90 anos. Carreira continuará sendo algo de longo prazo. Logo, é preciso dosar esse imediatismo tendo isso em perspectiva.

Aluna de Direito do Ibmec-RJ, Thaís Jorge fala ao ritmo característico dos seus 19 anos mas com a desenvoltura de uma ministra do Supremo. Suas atividades são quase um zeitgeist de uma geração na qual 80% dos integrantes acreditam que “as empresas têm o poder de fazer a diferença para um melhor futuro.” As atividades de Thaís vêm a granel mas respeitam essa filosofia. Além de aulas, monitoria e estágios, ela dividiu sua agenda nos últimos anos com uma ONG humanitária e um coletivo de mulheres.

— Embora sejamos em geral introspectivos e individualistas, por causa do nosso berço digital, sabemos que é ajudando os outros que alcançaremos a felicidade. Por isso aliar o lado profissional ao humano é perfeito. O trabalho precisa ser remunerado com felicidade, não com dinheiro. O que importa é o quão feliz você acorda para trabalhar — defendeu a estudante.

Por isso que, nada de togas ou becas, o que Thaís quer mesmo é ser professora — não necessariamente o caminho mais indicado para quem quer enriquecer no Brasil:

— Embora a carreira seja pouco valorizada, pra mim, educação é um investimento no futuro e permite desenvolver relações pessoais

Alguns empregadores têm explorado esses aspectos. Nas Lojas Renner, uma das estratégias de engajamento que tem dado certo, segundo a diretora de RH Clarice Martins Costa, são as chamadas “histórias de encantamento”. A varejista gaúcha reúne em um site relatos de funcionários que tiveram atitudes surpreendentes para satisfazer os desejos dos clientes. mais de 800 mil já teriam sido levantadas, segundo Clarice. O objetivo implícito satisfazer a demanda dos jovens trabalhadores por alteridade e boas ações.

— Fazemos palestras sobre a felicidade e como alimentar as relações. Na medida que isso é estimulado, o lado social do funcionário é desenvolvido. Também trabalhamos isso em nossa área de de sustentabilidade e no estímulo ao voluntariado — contou a diretora da Renner que tem 18 mil funcionários e, no último processo de trainee, recebeu 36 mil inscrições

A pesquisa também identificou que 69% dos jovens classificam de escassas as oportunidades para eles e 77% se queixam da prática de exigência de experiência prévia — conjunturas que se agravam em tempos de desemprego alto.

A experiência de Maria Roseana Matias, de 21 anos, mostra que, oferecidas as oportunidades, os empregadores podem esperar fidelidade e empenho. Paraibana de Massaranduba, Maria deixou lá a família e veio para Rio com apenas 16 anos e uma tia. Ao completar 1, conseguiu uma vaga de atendente em um McDonald's do Méier, Zona Norte. Maria está há quatro anos na companhia e já foi promovida três vezes — hoje é gerente de plantão.

— Quero me consolidar no cargo e, quem sabe, daqui a um ou dois anos, ser promovida a gerente assistente — contou a jovem, que se formou no ensino médio enquanto trabalhava e está prestes a entrar na universidade, onde cursará RH. — Quero fazer faculdade para agregar novas habilidades ao trabalho que presto hoje.

O McDonald's Brasil enxerga na reclamação dos millennials sobre a falta de oportunidades um trunfo. O objetivo da rede de restaurantes é ser o primeiro empregador desse público e, hoje, dos a média de idade dos seus 29 mil funcionários é de apenas 22 anos. A companhia sabe que a rotatividade será alta — seus empregados saem, em média, após período de 12 a 14 meses no McDonald's — mas, em troca, tem em mãos trabalhadores mais maleáveis ao seus processos e engajados.

— Exigir experiência prévia no primeiro emprego é algo doido. Por isso não exigimos qualquer pré-requisito além de vontade de aprender. E como nosso processo de trabalho é muito próprio, preferimos que eles sejam treinados pela primeira vez neles — explicou o diretor de recursos humanos Marcelo Nóbrega. — Não vemos problema algum em sermos formadores de mão de obra.